domingo, 13 de junho de 2010

Uma emoção muito forte

07/11/84

Em um dia destes, uma colega me ofereceu uma bala de funcho. Eu estava mesmo recusando, quando senti o cheiro que vinha do pacote. Imediatamente comecei a experimentar uma sensação extremamente agradável e aparentemente inexplicável. Era uma espécie de torpor semelhante ao de uma doce carícia que vai relaxando o corpo até que ele pareça estar flutuando. E ele foi preenchendo meu espírito de uma intensa alegria, dando-me a plena consciência de estar viva. Mas de onde vinha tudo isso? Eu tinha quase certeza de que estava associado ao cheiro das balas. Mas por que um simples cheiro produziria tal efeito?
- Não, não guarda - disse à colega que colocava o pacotinho dentro da bolsa - acho que vou querer uma.
Coloquei uma das balas na boca e deixei-me levar pelo seu sabor.

De repente, a imagem de minha avó surgiu em meus pensamentos. Frequentemente nas sextas-feiras, após a escola, eu e minha mãe pegávamos o ônibus Zivi e descíamos na esquina da casa de minha avó. Como não era necessário atravessar nenhuma rua, minha mãe deixava que eu fosse na frente, correndo, tocar a campainha. O cachorro começava a latir assim que ouvia ruído na frente da casa, mas, ao reconhecer-me, abanava o rabo e grunhia dando as boas-vindas. Com seus passos pequenos, mas decididos, arrastando os tamancos de cepo de madeira, os cabelos grisalhos curtos penteados para trás e os olhinhos miúdos, minha avó vinha abrir o portão, sorrindo.

Normalmente, minha mãe ia embora em seguida, voltando para me buscar somente no domingo à tarde, o que me dava bastante tempo para aproveitar as delícias que a me proporcionava. Fui uma criança "de apartamento" e, talvez, devido a essa razão, somada ao fato de eu ser ainda muito pequena, o pátio da vó parecia imenso. Durante o fim-de-semana, ele era o meu universo. Nos fundos, havia uma peça com churrasqueira e um forno de pedra. Essa peça servia também para guardar entulhos e, por isso mesmo, um dos meus lugares favoritos para brincar: era o recanto que eu transformava em "casinha". Levava para lá panelinhas de brinquedo e até algumas de verdade que a vó me emprestava, panos de prato e toalhinhas de croché e improvisava vasos com flores dos canteiros. Às vezes, havia bancos e mesas meio apodrecidos pela ação das frequentes enchentes que inundavam a casa. Ficavam rolando pelo pátio a espera do sol que os secasse e permitisse que fossem queimados no fogão a lenha. Enquanto isso não acontecia, eu tentava recuperá-los para que servissem de móveis para a minha casa.

À tarde, vovó preparava um lanche com geleias e pães deliciosos que ela mesma fabricava em sua cozinha sempre rigorosamente limpa. Colocava as guloseimas em uma bandeja e as servia na minha casinha, para fazer de conta que era eu quem estava recebendo visitas e servindo o lanche. O mundo dos adultos sempre me parecera muito distante e incompreensível, mas minha avó entrava tão perfeitamente na minha fantasia que, estabelecendo um elo de ligação entre nossos mundos, assegurava-me uma sensação de estar integrada ao resto do mundo.

Antes de dormir, ela pegava um livro em alemão, amarelado e com umas letras estranhas, que, mais tarde, vim a saber serem letras góticas, folheava, escolhia uma história e contava. Eu tinha o maior respeito por aquele livro, que parecia ser mágico, pois apesar de que ela já tivesse contado todas aquelas histórias várias vezes, cada vez contava de uma maneira diferente. Eu achava que isso tinha relação com as letras esquisitas, que talvez possibilitassem várias hipóteses de leitura. Alguns anos mais tarde, compreendi que minha avó censurava certas partes que ela julgava inadequadas, omitindo-as e, para compensar, acrescentava outras de acordo com a sua própria imaginação. Como ela fazia isso oralmente, de improviso, não lembrava como tinha contado da última vez, então nunca repetia exatamente os mesmos episódios. Entre esses momentos de êxtase, em que eu concentrava toda a minha atenção em suas palavras até o final de cada conto, havia intervalos que preenchíamos chupando balas de funcho e tecendo comentários sobre a história, até que ela escolhesse outra e começasse a contar.

Quando cheguei nesse ponto, entendi o porque da associação do cheiro e do sabor das balas de funcho com minha avó. Mas continuava sem entender como um simples cheiro ou sabor puderam despertar em mim aquela emoção. Apenas percebia que era algo que eu não podia dominar, que estava em algum lugar do meu inconsciente, pois se tentasse forçar a memória voluntariamente, a mágica não acontecia.

Um dia, lendo o primeiro volume de
À la recherche du temps perdu, deparei-me com a passagem das madeleines, onde Proust descreve uma experiência sua, semelhante, provocada pelo gosto de madeleines molhadas no chá. E a respeito disso, ele diz que as informações sobre o passado fornecidas pela memória da inteligência nada conservam dele, mas a memória do corpo, esta sim, pois quando nada sobra de um passado distante, depois da morte dos seres e da destruição das coisas, apenas o odor e o sabor permanecem.
Fiquei maravilhada ao descobrir que havia compartilhado uma experiência com Marcel Proust e, principalmente, de tê-la vivenciado bem antes de conhecer o texto das
madeleines.

Minha avó vivia, ainda, quando escrevi esse texto.

O Rodrigo nasceu exatamente 9
anos depois de eu escrevê-lo, no dia 7/11/93.